Passam hoje 90 anos sobre o fim dos combates naquela que foi, durante algum tempo, conhecida como
A Grande Guerra. Houve quem lhe chamasse "
a guerra para acabar com todas as guerras". Uma geração depois, um cataclismo bélico ainda maior obrigaria a uma reclassificação: a que terminara às 11 horas de 11 de Novembro de 1918 passaria a ser conhecida por
Primeira Guerra Mundial.
O mundo mudou bastante após o suicídio colectivo da Europa, ocorrido entre 1914 e 1918. Nacionalismo extremo, militarismo, convicções e preconceitos civilizacionais destruíram impérios caducos e redistribuíram os povos, por conveniência ou acaso, num novo mapa político. Nas escolas dos anos 20, enquanto eram preparados para a carnificina seguinte, os alunos passaram a aprender nomes estranhos de países como Jugoslávia ou Checoslováquia. Souberam que a Polónia já existira e fora apagada do mapa várias vezes e agora emergia de novo. E que a Rússia era vermelha (e até já não se chamava Rússia, embora em alguns quadrantes houvesse receio de entrar em pormenores quando um estudante mais afoito perguntava o que queria dizer URSS). Observando de fora do velho continente dilacerado, a jovem nação dos Estados Unidos da América emergia como a grande vencedora, assumindo até hoje a hegemonia económica mundial que a Europa deixara cair.
A consciência dos europeus tardaria a compreender este facto. Nos anos imediatos ao conflito, a dor e a estupefacção pelas tremendas perdas humanas tomou conta dos que ficaram para recordar. Foi uma geração perdida, metralhada, bombardeada, gaseada, permanentemente jovem nos esqueletos e pedaços que se espalharam pelos campos de batalha. Sucediam-se as homenagens, o culto do Soldado Desconhecido, esse mártir anónimo que podia ser um qualquer filho, pai ou irmão. E os desfiles entre lágrimas a cada 11 de Novembro, juntando familiares dos mortos e os sobreviventes da mortandade, muitos com marcas demasiado visíveis do engenho assassino do Homem nas faces ou membros, ou na falta destes.
Portugal participou na Grande Guerra entre Março de 1916 e Novembro de 1918, nas frentes de guerra do noroeste europeu (Flandres) e de África (sul de Angola e norte de Moçambique). Declarou guerra à Alemanha e alinhou com a Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia) e seus aliados. Não vem agora ao caso descrever os motivos dessa participação. Hoje passam 90 anos sobre o fim de uma loucura colectiva. É tempo de recordar todos os que perderam a vida ou que sofreram atrozmente entre Agosto de 1914 e Novembro de 1918. Entre eles, muitos militares portugueses. Como todos os que participaram na Grande Guerra, merecem de nós a memória de um respeito sentido e o empenho presente na preservação da paz.
Para quem quer saber mais sobre o conflito (site em inglês):
http://www.firstworldwar.com/
Leituras escolhidas, em português:
FRAGA, Luís Manuel Alves de,
O Fim da Ambiguidade. A Estratégia Nacional Portuguesa de 1914-1916, Lisboa, Universitária Editora, 2001. Sobre a situação internacional e a entrada de Portugal na guerra.
HENRIQUES, Mendo Castro; LEITÃO, António Rosas,
La Lys, 1918. Os Soldados Desconhecidos, Lisboa, Prefácio, 2001. A derrocada do Corpo Expedicionário Português na Flandres, face à ofensiva alemã de 9 de Abril de 1918.
MARQUES, Isabel Pestana,
Das Trincheiras com Saudade. A vida quotidiana dos militares portugueses na Primeira Guerra Mundial, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2008. Alguns erros de pormenor aqui e ali, todavia longe de obscurecerem o magnífico trabalho da autora.
MIRÃO, Cardoso,
Kináni? (Quem vive?). Crónica de Guerra no Norte de Moçambique, 1917-1918, Lisboa, Livros Horizonte, 2001. As misérias de uma estranha guerra na colónia portuguesa da África Oriental, contadas na primeira pessoa.
Leituras escolhidas, em outras línguas:
HANSON, Neil,
The Unknown Soldier. The Story of the Missing of the Great War, London, Corgi Books, 2007. A reconstituição dos últimos meses de três militares desaparecidos na guerra (um inglês, um alemão e um americano), a partir das suas cartas para as respectivas famílias e de outra documentação, e um interessante estudo sobre o nascimento da homenagem ao Soldado Desconhecido.
MIQUEL, Pierre,
Les poilus. La France sacrifiée, Paris, Plon, 2000. Narrativa extensa e bem detalhada sobre a Grande Guerra, na perspectiva do militar francês.
Imagem: Monumento aos Combatentes da Grande Guerra, Avenida da Liberdade, Lisboa. Foto de JorgeF.