quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Futebol com História (I)





Trago hoje para a ribalta um clube de futebol desconhecido da maioria das pessoas. Não o faço por causa dos títulos que conquistou ou da eventual fama e glória, que à sua escala também a teve, mas porque o seu percurso está ligado à História recente da Humanidade, em particular ao período entre as duas Guerras Mundiais.

O clube é o Sport Club Hakoah Wien. Fundado em 1909 por dois judeus de Viena, capital do então Império Austro-Húngaro, notabilizou-se pelo facto de só admitir atletas judaicos. Após a Primeira Guerra Mundial e a dissolução do Império, o Hakoah (que em hebraico significa "a força") passou a competir no campeonato austríaco, que venceria em 1924-25. O clube fazia frequentes viagens ao estrangeiro, atraindo aos seus jogos os membros da diáspora judaica espalhada pela Europa e América do Norte (o Estado de Israel só seria fundado em 1948). Foi o primeiro clube europeu a derrotar uma equipa inglesa na Inglaterra, batendo o West Ham, em 1923, por 5-1 (o West Ham, na sua história oficial, refere que utilizou o team de reservas nessa partida).

O clube não vivia só para o futebol, pois também tinha secções de luta livre, esgrima, pólo aquático e natação (com equipa feminina).
Curiosamente, o declínio desportivo do Hakoah está relacionado com as digressões que fez aos Estados Unidos. Vários jogadores abandonaram o clube e fixaram-se nos EUA, onde o nível de vida era superior ao da Europa, continuando aí a prática do futebol. Além disso, nos States não sentiam a discriminação racial que, na Áustria, ia crescendo contra as pessoas de origem judaica. Este anti-semitismo teria o seu apogeu após o Anschluss - a anexação da Áustria pela Alemanha Nazi, em 1938. O clube foi então dissolvido pela Associação Alemã de Futebol, os bens confiscados e o seu registo de competições e títulos anulado.

O Hakoah ressurgiu após a Segunda Guerra Mundial e ainda hoje existe, embora tenha abandonado a prática do futebol em 1949.

Entre os jogadores mais famosos do Hakoah nos anos 20 contava-se um tal Béla Guttmann, húngaro de nascimento, que foi um treinador de muito sucesso em Portugal.

As ilustrações que acompanham este post mostram o emblema do SC Hakoah Wien e a equipa campeã em 1925. O equipamento constava de camisola bipartida de azul e branco e calção branco, sendo o equipamento alternativo completamente negro.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A origem da Bolsa de Valores


A Bolsa (nome comum para Bolsa de Valores) é o local onde se compram e vendem acções. Uma acção é uma unidade de títulos emitidos por uma empresa, representando uma fracção do seu capital social. Quem adquire acções de uma empresa torna-se investidor e sócio dessa mesma empresa.

Em qualquer momento as acções podem ser convertidas em dinheiro, consoante o seu valor. O valor pode aumentar ou diminuir, dependendo da saúde económica e financeira da empresa, das suas perspectivas de negócio e até de factores que nada têm a ver directamente com a empresa - por exemplo: alterações climáticas, instabilidade política, guerras.

Há quem faça remontar a origem da Bolsa de Valores, numa forma mais simples, ao período do Império Romano. Aí, as transacções tinham lugar na cidade de Roma, mais precisamente no Forum, perto do templo de Castor. Ao ar livre, como qualquer mercado que se prezasse.

O "comércio com papéis" só se vulgarizou a partir do século XIII, numa das regiões mais prósperas da Europa: o Condado da Flandres, cujo território abrangia uma parte da França, Bélgica e Holanda actuais. Aí, na cidade de Brugges, as transacções efectuavam-se na casa de um homem chamado Van der Beurse. Com o decorrer dos tempos, o nome "Beurse" vulgarizou-se por toda a Europa - e é fácil perceber de onde deriva a palavra portuguesa "Bolsa", já utilizada no reinado de D. Dinis.

As primeiras companhias por acções formalmente constituídas só surgiram no século XVII, na Holanda. A Bolsa de Amsterdão foi muito próspera até aos finais desse século, quando Londres lhe arrebatou a fama e o proveito. Curiosamente, apesar do intenso movimento de negócios se concentrar na zona conhecida simplesmente por City, os londrinos não tinham nenhum edifício especificamente dedicado a albergar a Bolsa. Os negócios faziam-se nos cafés da City, por vezes no meio de insultos e grandes zaragatas entre investidores rivais. Só a partir de 1698 o mercado de valores se estabeleceu definitivamente num único café - o Jonathan's Coffey-House. Mais tarde, transferiu-se para um clube privado, com o nome que ainda perdura: o Stock Exchange.

Apesar da enorme importância para a economia global, as transacções efectuadas nas Bolsas de Valores de todo o mundo estão sujeitas aos riscos decorrentes do imprevisto, daquilo que o ser humano não controla, mas também da ganância e falta de escrúpulos de algumas pessoas. Foi assim em 1929, no Crash da Bolsa de Nova Iorque, e em casos mais recentes, como o do Banco Northern Rock (2007). Como disse Isaac Newton no século XVIII, após ter perdido 20.000 libras na Bolsa de Londres: "Eu consigo calcular o movimento das estrelas, mas não a loucura dos Homens".
Imagem: "Bolsa de Amsterdão", 1653.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ainda o calendário dos Romanos


Em Setembro foi feita uma breve referência ao calendário romano. Retomemos a visita a esse tempo, em que o tempo se media de maneira diferente.
Quando Janeiro e Fevereiro foram acrescentados ao calendário, o ano passou a ter 355 dias (sim, 3-5-5, não é engano). Os meses tinham 29 ou 31 dias - mas Fevereiro só tinha direito a 28. A designação dos meses era a seguinte:


Januarius (29 dias)
Februarius (28)
Marcius (31)
Aprilis (29)
Maius (31)
Junius (29)
Quintilis (31)
Sextilis (29)
September (29)
October (31)
November (29)
December (29)


Para que o ano civil coincidisse com o ano solar, havia um período intercalar (o Intercalis) de 22 ou 23 dias, que era introduzido a partir de 23 ou 24 de Fevereiro.

Confusos? Lá dizia o Obélix: "estes Romanos são loucos!"


Após o assassinato de Júlio César, o Senado mudou o nome de Quintilis para Julius - o nosso Julho, em honra do defunto. Mas por essa altura o calendário já tinha sido modificado pelo próprio Júlio César, para que ficasse a coincidir com as estações do ano sem necessidade de um Intercalis: foi a origem do famoso calendário juliano, que o Professor Carlos Fiolhais refere no seu interessante artigo (vejam o post abaixo deste). Alguns meses ganharam dias (adivinhem quais os meses... se não conseguirem, observem um calendário actual e ficarão esclarecidos) e o total de dias por ano passou a ser de 365. De quatro em quatro anos, o mês de Fevereiro ganhava um dia, para acertar as quase seis horas que existem para além dos 365 dias num ano "normal". Deste modo, foi o velho Júlio que inventou o ano bissexto. Bem, na verdade foram alguns sábios e astrónomos do seu tempo, mas quem mandava era ele, e assim ficou com a fama toda. Júlio César, como ditador (não esquecer que ele nunca se assumiu como Imperador), era também o Sumo Pontífice (Pontifex Maximus), o chefe supremo do culto religioso, por isso tinha autoridade para mudar o calendário.


Os Romanos não tinham qualquer designação especial para os dias da semana, mas a cada oito dias havia um dia um dia de mercado, o nunidinum. Esta palavra significa "nono dia", porque a forma de contar dos Romanos era inclusiva (o que nos traz à lembrança, de novo, o desabafo do Obélix). No início de cada ano, os augures (sacerdotes adivinhos) determinavam quais os dias que iriam ser favoráveis (Fasti), azarentos (Nefasti) ou "assim-assim" (Endotercisus). Claro que todos os assuntos pessoais ou sociais importantes não podiam ocorrer num dia azarento!


Ao longo do ano, os Romanos tinham muitos dias festivos, a que chamavam "Feriae" - um nome que nos é familiar...


O mês principiava nas Kalendas, e é desta palavra que vem o nome Calendário. O Nones, ou nono, calhava nove dias antes do Ides (em português, "idos"). O Ides calhava no 15º dia de um mês com 31 dias, ou no 13º dia de um mês mais curto. Deste modo, o Nones podia calhar no 5º ou no 7º dia de um mês. As datas eram designadas pelo número de dias que antecediam as Kalendas, Nones ou Ides.


O dia dividia-se em 12 horas de dia e 12 horas de noite. Dependendo da estação do ano, uma hora podia variar entre 44 e 76 minutos. As horas designavam-se sequencialmente: prima, secunda, tertia, quarta, quinta, sexta, septima, octava, nona, decima, undecima, duodecima. A hora septima começava sempre ao meio-dia ou à meia-noite.


Agradecimentos: Richard Jeffrey-Cook.

Foto JorgeF: Legionários Romanos (reconstituição do grupo Ermine Street Guard, Inglaterra, 2007).


sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Um Buraco no Tempo


Muito interessante, este artigo do Professor Carlos Fiolhais.

Trata da mudança do calendário juliano para o gregoriano (o que nós utilizamos actualmente) e dos dias que entretanto se perderam, criando um buraco no tempo.

Para desvendar o mistério, sigam o link abaixo indicado:

Foto JorgeF

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

860 anos da tomada de Lisboa aos Mouros


Passam hoje 860 anos sobre a conquista de Lisboa aos Mouros, encetada por D. Afonso Henriques com o auxílio de cruzados estrangeiros.
Imagem: "Tomada de Lisboa aos Mouros", aguarela de Roque Gameiro.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

1143 - Tratado de Zamora


5 de Outubro de 1143. Tradicionalmente considerado como o dia em que Portugal se tormou independente, por causa da assinatura do Tratado de Zamora entre D. Afonso Henriques e o seu primo, D. Afonso VII de Leão e Castela. É uma simplificação anacrónica, pois embora D. Afonso VII tenha reconhecido o direito de D. Afonso Henriques a intitular-se Portucalensis Rex, ou seja, Rei de Portugal, a verdade é que D. Afonso Henriques deveria continuar a considerar-se vassalo do primo. O reconhecimento efectivo da independência de Portugal só viria mais tarde, em 1179, por documento papal, a Bula Manifestus Probatum.

1910 - Implantação da República


Avenida Almirante Reis... quem passa por essa grande artéria de Lisboa talvez não conheça ou não se lembre da pessoa que lhe dá o nome. Carlos Cândido dos Reis foi oficial da marinha. Reformou-se em 1909 com a patente de Vice-Almirante. Republicano convicto, pertencente à Carbonária (associação secreta revolucionária que levou a cabo o regicídio em 1908) e à Maçonaria, esteve envolvido em vários movimentos contra a monarquia. Foi um dos principais planeadores da Revolução de 5 de Outubro de 1910. Não chegaria a viver esse dia, pois na noite de 4 de Outubro alguém o informou (mal) de que a conspiração estava condenada a falhar e que os militares implicados estavam prestes a ser presos pelas forças leais à monarquia. Convencido do desastre iminente, Cândido dos Reis suicidou-se. Mas o seu nome ficou na história e substituiu na toponímia da cidade o da Rainha Dona Amélia, que era assim que se chamava a avenida hoje conhecida simplesmente por Almirante Reis.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Sputnik, 50 anos


Foi a entrada na era espacial. No dia 4 de Outubro de 1957, uma bolinha metálica com antenas era lançada para o espaço, transportada por um foguetão, a partir da ilha de Gorgon, no Cazaquistão, que então fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Era o primeiro satélite artificial da Terra. Desde então, a exploração do Espaço não mais parou. Poderia estar ainda mais avançada se o bicho Homem, aqui na Terra, não tivesse permanecido tão primitivo no relacionamento entre os da mesma espécie, ao longo deste meio século. E tão pouco fiel à ideia que o nome sputnik transmite, pois significa "amigo", em russo.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Setembro


O nome Setembro deriva do latim September. Apesar da sua designação remeter para o numeral sete, é o nono mês do calendário. O motivo desta aparente disparidade deve-se ao facto do Ano Novo dos Romanos começar no dia 15 de Março. Setembro era então, logicamente, o sétimo mês de um calendário inspirado no dos Gregos. Por volta do século VIII a. C. - o século em que, segundo a tradição, terá sido fundada a cidade de Roma - foram adicionados os meses de Janeiro (Januarius) e Fevereiro (Februarius). Em 153 a. C., por decisão dos dois cônsules eleitos para esse ano, Fulvius Nobilior e Annius Luscus, o começo do ano passou para o dia 1 de Janeiro. Este mês e o de Fevereiro foram promovidos para o princípio do calendário, relegando Setembro para nono mês do ano.
Imagem: Setembro, iluminura de As Riquíssimas Horas do Duque de Berry, França, séc. XV